quinta-feira, 11 de junho de 2009

Discurso anti discursos ou a cotação da acção a subir e a da palavra a descer


"Várias vezes este dia mudou de nome.(...)
Agora, é de Portugal, de Camões e das Comunidades. Com ou sem tolerância, com ou sem intenção política específica, é sempre o mesmo que se festeja: os Portugueses. Onde quer que vivam.(...)
Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes quando o fazem, é de modo desajeitado. "As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares", disse(...) Eça de Queirós. Tinha razão. Mas devo dizer que temos a felicidade única de aliar a festa nacional a Camões. Um poeta, em vez de uma data bélica. Um poeta que nos deu a voz. Que é a nossa voz. Ou, como disse Eduardo Lourenço, "um povo que se julga Camões".(...).
Verdade é que os povos também prezam a comemoração, se nela não virem armadilha ou manipulação.
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar a História a favor do presente. (...) São, podem ser objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas. (...)
Os nossos maiores heróis, com Camões à cabeça, ilustram-se pela liberdade e pelo espírito insubmisso. Pela aventura e pelo esforço empreendedor. Pela sua humanidade e, algumas vezes, pela tolerância. Infelizmente, foram tantas vezes utilizados com o exacto sentido oposto: obedientes ou símbolos de uma superioridade obscena.
Ainda hoje soubemos prestar homenagem a Salgueiro Maia. (...) Que esta homenagem não se substitua, ritualmente, ao nosso dever de cuidar da democracia.
As comemorações nacionais têm a frequente tentação de sublinhar ou inventar o excepcional. O carácter único de um povo. A sua glória. Mas todos sentimos, hoje, os limites dessa receita nacionalista. (...) Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por vezes injusta. (...)
Fizemos a democracia, mas não somos capazes de organizar a justiça.
Alargámos a educação, mas ainda não soubemos dar uma boa instrução.
Fizemos bem e mal.
Soubemos abandonar a mitologia absurda do país excepcional, único, a fim de nos transformarmos num país como os outros. Mas que é o nosso.
(Mas) Para isso temos de nos ocupar dele. Para que não sejam outros a fazê-lo.
(...)
Há mais de trinta anos, (...)
Desde então, muito mudou.(...)
Evoluiu (...)
Mudou (...)
A sociedade e o país abriram-se (...)
Estas transformações são motivo de regozijo. Mas este não deve iludir o que ainda precisa de mudança. O que não foi possível fazer progredir. E a mudança que correu mal...
A Sociedade e o Estado são ainda excessivamente centralizados. As desigualdades persistem para além do aceitável. A injustiça é perene. A falta de justiça também.
O favor ainda vence vezes de mais o mérito.
O endividamento de todos (...) não provoca um pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente. (...)
A elevadíssima abstenção mostrou uma vez mais a permanente crise de legitimidade e de representatividade das instituições europeias. A cidadania europeia é uma noção vaga e incerta. É um conceito inventado por políticos e juristas, não é uma realidade vivida e percebida pelos povos.
É um pretexto de Estado, não um sentimento dos povos.(...)
Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos.
Porque o exemplo tem efeitos mais duráveis do que qualquer ensino voluntarista.(...)
Pela honestidade e contra a corrupção, os portugueses necessitam de exemplo, bem mais do que de sermões.(...)
Pela liberdade e pelo respeito devido aos outros, os portugueses aprenderão mais com o exemplo do que com declarações solenes.(...)
Pela recompensa ao mérito e a punição do favoritismo, os portugueses seguirão o exemplo com mais elevado sentido de justiça.
Mais do que tudo, os portugueses precisam de exemplo. Exemplo dos seus maiores e dos seus melhores.(...) Dê-se o exemplo e esse gesto será fértil!
Não vale a pena, para usar uma frase feita, dar "sinais de esperança" ou "mensagens de confiança". Quem assim age tem apenas a formula da retórica! (...)
Dê-se o exemplo de honestidade e verdade e a corrupção diminuirá.
Dê-se o exemplo do tratamento humano e justo e a crispação reduzir-se-á.
Dê-se o exemplo de trabalho, de poupança e de investimento e a economia sentirá os seus efeitos.
Políticos, empresários, sindicalistas e funcionários; tenham consciência de que, em tempos de excesso de informação e de propaganda, as vossas palavras são cada vez mais vazias e inúteis e de que o vosso exemplo é cada vez mais decisivo. Se tiverem consideração por quem trabalha, poderão melhor atravessar as crises. Se forem verdadeiros, serão respeitados mesmo em tempos difíceis.
Em momentos de crise económica, de abaixamento dos critérios morais no exercício de funções empresariais ou políticas o bom exemplo pode ser a chave, não para as soluções milagrosas, mas para o esforço de recuperação do país."

(excertos de) Discurso de António Barreto nas comemorações do 10 de Junho de 2009

quarta-feira, 3 de junho de 2009